16 agosto 2005

Ah, os presentes

Além de um bloco de anotações feito na escola e de uma cesta de café-da-manhã (carinhosamente montada pela mãe da Maria), o meu pacote de Dia dos Pais incluiu um CD: Nando Reis e os Infernais. Gravado ao vivo para um programa da MTV, o disco mostra um lado mais roqueiro do ex-Titã que é a cara do meu amigo Arturo Bandini.
A banda é de primeira, e os momentos instrumentais do disco chegam a lembrar os grandes álbuns ao vivo do rock dos anos 70 (Deep Purple, Rush, Yes...). A versão de O Segundo Sol, com o povo todo cantando junto, é mesmo emocionante.
Coincidência ou não, o texto do encarte cita justamente o Dia dos Pais...

Dia dos Pais

Dia dos Pais para quem tem filhos pequenos é uma farra. Maria, 5 anos, passou uma semana dizendo que estava preparando um presente na escola para me dar. De vez em quando, cochichava algo com a mãe, me olhava e dava risada, como se eu nem desconfiasse do que elas estavam falando...

Claro que ela não esperou chegar o domingo: me acordou no sábado e, quando fui à cozinha, me deparei com os embrulhos. A excitação dela até eu achar o pacote e a felicidade que sentiu quando eu abri foram os melhores presentes. É como aquela propaganda: não tem preço. A capacidade que as crianças têm de transformarem as coisas mais simples em grandes acontecimentos é uma das melhores lições que os filhos nos dão.

Acho que não é pedir muito...

Li certa vez um autor indiano dizendo que, se a gente tem um desejo, deve deixar esse desejo registrado para o universo trabalhar na sua realização. Bom, não estava escrito assim desse jeito, mas era isso que queria dizer. Também não sei se acredito nessas coisas, mas acho que mal não faz; então, segue a expressão do meu desejo, para quem quiser saber:

Desejo criar,
produzir e disseminar
música e poesia
sem que isso venha atrapalhar
o cuidar de minha família.

Ainda esse assunto chato

Poderia ter sido o início de uma grande transformação no Brasil. Um presidente popular, com um histórico de lutas sociais, que conseguiu vencer a resistência dos empresários (até a Globo apoiou no começo, lembram?) e conquistou respeito no exterior. Encerrando o primeiro mandato com a economia em ordem, ainda que sem crescimento, Lula estaria com a reeleição garantida. Aí eram mais quatro anos, e passaria o mandato para um sucessor moderado (Palocci, provavelmente) e o Brasil entraria em um ciclo saudável de alternância de poder entre PT e PSDB, enterrando de vez o coronelismo e o atraso que sempre marcaram nossa política.

Mas não. Acharam que deviam criar um império para perpetuar o partido no poder, como se a democracia fosse somente uma ponte para os iluminados defensores do povo conquistarem o lugar que era deles por direito divino (sim, que nem os antigos monarcas absolutos...). Para isso, desrespeitaram tudo: a ética, as leis, o dinheiro público e, principalmente, os nossos sonhos.

Não sei como isso vai acabar, mas acho que esse período vai entrar para a história como A Grande Chance que o Brasil Perdeu.

12 agosto 2005

Esquerda? Vou ver...

Por falar em esquerda, assisti outro dia a "Diários de Motocicleta", belo filme sobre dois jovens argentinos que resolvem viajar de moto pela América do Sul, de Buenos Aires à Amazônia. No caminho, vão sentindo na pele a injustiça e as desigualdades da região.
O detalhe é que um dos jovens mais tarde ficaria conhecido como Che Guevara, líder revolucionário etc e tal. O filme emociona, mesmo a gente sabendo que se trata de uma versão romanceada e mitificadora da história.
Mas engraçado é lembrar que o Che foi o grande referencial daquela geração que hoje está (ou estava, até algumas semans atrás) no poder no Brasil. Daí a gente pensa:
E se o Che tivesse sobrevivido àquele cerco na Bolívia em 1967, o que seria dele hoje?
Um tirano como Fidel Castro?
Um populista oco, como Hugo Chávez?
(Ou como o próprio Lula, que agora parece estar se resumindo a isso)?
Um convertido ao pragmatismo econômico, como Palloci?
Ou, pior, mergulharia na lama da política convencional, como Dirceu e Genoíno?

Acho que o movimento socialista internacional, se é que ainda existe, deveria erguer uma estátua aos soldados bolivianos que executaram Ernesto Guevara. Mais do que o Valter Salles (diretor do filme), foram eles que criaram o mito eterno do Che.

Campanha política, pra quê?

Agora que o bicho está pegando, o Congresso quer criar uma série de regras para a campanha de 2006. Acho ótimo, mas vou mais longe: por que não acabar de vez com a publicidade eleitoral? O horário político só traz mensagens sem conteúdo algum, muitas vezes próximas à propaganda enganosa. Não acrescentem nada ao eleitor.
Seria melhor deixar os candidatos se expressarem somente pela imprensa e pelos debates de TV, pelo menos para os cargos principais (governador, presidente). Nos municípios é mais complicado, porque geralmente a mídia local é dominada por um único grupo empresarial, que poderia favorecer o seu candidato preferido. Na rede nacional, a concorrência entre os veículos trata de equilibrar a cobertura. (Ih, olha eu aqui fazendo discurso neoliberal... será que eu não sou mais de esquerda?)

Por que sem patrocínio?

Porque a arte só vai ser vista como deve ser – uma forma de conversar com Deus – quando os artistas forem seus próprios mecenas.

11 agosto 2005

Festivais

Esta semana, na Folha de S.Paulo, sobre o Festival da Música Brasileira, da TV Cultura:

"... o novo festival já nasce institucionalizado, com sua ultra-organização matando a espontaneidade. (...) mostrou ainda que o público médio atual de música brasileira não parece ser dos mais criteriosos. (...) Tristemente, a qualidade musical foi bastante sofrível, apesar do alarde feito em torno dos mais de 5.000 músicas inscritas. A originalidade passou longe -foi um festival de xerox. Quem assistiu testemunhou apresentação de cópias inferiores de João Bosco, de Jackson do Pandeiro, de Elis Regina, de Milton Nascimento, da moderninha bossa eletrônica...O futuro da música brasileira não parece muito animador na visão do festival."

Concordo com tudo o que está escrito, acrescentando que há na música atual muito profissionalismo, pouca originalidade e nenhuma ousadia.

"Andar Comigo" (se nunca ouviu, clique no link Pé da Letra, aí do lado, e faça o download. É de graça) foi uma das tais 5.000 e tantas músicas inscritas no festival. Inscrevi por inscrever, porque duvido mesmo que os encarregados da seleção tenham ouvido até o fim. "Amador demais", devem ter dito.

Isso me lembra: em 1994, eu e um amigo inscrevemos em um tal "Festival do Filme Caseiro" (acho que era esse o nome) um documentário que misturava nossas músicas com cenas de músicos de rua. Claro que não ganhamos nada. Meu amigo falou assim:
- Capi, essa música que a gente faz ou é algo muito revolucionário, que niguém entende... ou é uma merda mesmo.

Confesso que ainda estou na dúvida.

03 agosto 2005

De onde vem?

Assisti a um documentário sobre o Chico Buarque outro dia na TV. A certa altura, perguntaram se as letras dele tinham a ver com coisas que ele vivia. Ele respondeu mais ou menos assim: "Isso (achar que o autor sempre escreve sobre a própria vida) glamouriza bastante a biografia do autor, mas desmerece a imaginação. O compositor pode tanto escrever sobre o que viveu, descrever pessoas que conheceu, como imaginar um letra inteira do nada. No meu caso, são todas inventadas (as personagens das canções)."

Já o Caetano Veloso, no livro Letra Só, diz exatamente o contrário: "Todas as minhas letras são autobiográficas. Até as que não são, são."

De minha modesta parte, concordo com o Chico. A inspiração até surge de algum fato ou sentimento pessoal, mas conforme a letra vai acontecendo a gente perde o controle, esquece a intenção original do que ia escrever e sai outra coisa, do nada.

Quer um exemplo?

Numa manhã de 1995 ou 1996, indo para a agência em que trabalhava, em Pinheiros (São Paulo), passei por um cano estourado. Era água pra todo lado. Na hora lembrei de quando era criança e gostava de ver a água jorrando entre as luzes da fonte da praça das Bandeiras, na praia do Gonzaga. O resto veio fácil:

O teu amor
É fonte luminosa
Azul marrom
Verde branco e cor-de-rosa

É tanta cor
Que eu fico até sem jeito
E perco o tempo
Esqueço o texto

Livro os braços do relógio
Sigo os traços sem ser lógico
Crio coisas que não sou capaz
Mas
A perfeição
Pra mim é tão remota
Que a solução
É ir por outra rota:
Pisar o chão
Saber que bate um sol
No peito
Da gente

Pra enxugar seu olhar

Essa não tem historinha, porque não lembro direito como nasceu. Sei que é um samba, mas ainda não consegui fazer a música direito...

Minha nega me chegou
Como quem tá pra chorar
Pedindo aconchego, me disse: meu nego,
Essa vida não vai melhorar?

Ah, mulher, mas quem eu sou
Pra poder te consolar
Ser pobre é sofrido, mas eu sobrevivo
Na fé que haverá um lugar

Um castelo de nós dois
Com jardim, sombra e luar
Sobrando alegria de noite e de dia
Das cinzas tirar carnaval

Se é agora ou pra depois
Já não sei lhe precisar
Mas diz num sorriso que espera comigo
E a brisa virá pra enxugar seu olhar.