Assisti a um documentário sobre o Chico Buarque outro dia na TV. A certa altura, perguntaram se as letras dele tinham a ver com coisas que ele vivia. Ele respondeu mais ou menos assim: "Isso
(achar que o autor sempre escreve sobre a própria vida) glamouriza bastante a biografia do autor, mas desmerece a imaginação. O compositor pode tanto escrever sobre o que viveu, descrever pessoas que conheceu, como imaginar um letra inteira do nada. No meu caso, são todas inventadas (
as personagens das canções)."
Já o Caetano Veloso, no livro
Letra Só, diz exatamente o contrário: "Todas as minhas letras são autobiográficas. Até as que não são, são."
De minha modesta parte, concordo com o Chico. A inspiração até surge de algum fato ou sentimento pessoal, mas conforme a letra vai
acontecendo a gente perde o controle, esquece a intenção original do que ia escrever e sai outra coisa, do nada.
Quer um exemplo?
Numa manhã de 1995 ou 1996, indo para a agência em que trabalhava, em Pinheiros (São Paulo), passei por um cano estourado. Era água pra todo lado. Na hora lembrei de quando era criança e gostava de ver a água jorrando entre as luzes da fonte da praça das Bandeiras, na praia do Gonzaga. O resto veio fácil:
O teu amor
É fonte luminosa
Azul marrom
Verde branco e cor-de-rosa
É tanta cor
Que eu fico até sem jeito
E perco o tempo
Esqueço o texto
Livro os braços do relógio
Sigo os traços sem ser lógico
Crio coisas que não sou capaz
Mas
A perfeição
Pra mim é tão remota
Que a solução
É ir por outra rota:
Pisar o chão
Saber que bate um sol
No peito
Da gente